Um opinião em resenha sobre o livro, Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão

BARRETO, Marcos Salmo Lima. Resenha do Livro Padre Cícero: Poder Fé e Guerra no Sertão. São Paulo. Ed. Companhias das Letras. 2009, com 544 páginas.

Ao realizar uma rápida pesquisa encontramos muitas coisas sobre a vida do escritor e jornalista Lira Neto, cearense do município de Fortaleza. Com apenas 48 anos, é um autor especialista em biografia. Cursou o antigo segundo grau, na Escola Técnica Federal do Ceará, atual Instituto Federal de Educação Tecnológica (IFETE). Nunca exerceu a profissão de Tecnólogo em Topografia e Estradas. Lira preferiu abrir caminhos na educação, lecionou ciências humanas e linguagens e códigos, por diferentes escolas da capital cearense. O jornalista graduado pela Universidade Federal do Ceará, antes de começar como revisor do Jornal Diário do Nordeste, (Fortaleza – CE), cursou ainda Filosofia e Letras. No jornal cearense O Povo atuou em diferentes funções desde repórter especial a editor do caderno de cultura. Lira Neto participou, com destaque de um importante movimento cearense, chamado “poesia marginal”, foi onde publicou as suas primeiras produções literárias. O jornalista e escritor tem artigos, entrevistas e reportagens publicados em alguns dos principais jornais e revistas do Brasil. Já esteve coordenador editorial, em duas importantes editoras: Edições Demócrito Rocha (Fortaleza) e Contexto (São Paulo). Em 2007 o livro: O inimigo do Rei: Uma biografia José de Alencar (Editora Globo) foi agraciado com o Prêmio Jabuti de Literatura, como a melhor biografia do ano. E é nesse universo de muito estudo e conhecimento do autor, que no momento escreve a biografia de uma das figuras mais intrigantes da política brasileira, Getúlio Vargas, é que faremos uma resenha do livro que retrata a história de um homem, de um povo e de um Estado / nação chamada Nordeste.

O livro Padre Cícero: Poder Fé e Guerra no Sertão, já no seu prólogo oferece ao leitor diferentes nuanças de sentimento em relação a uma das figuras mais importante para a religiosidade, sociedade, economia, cultura e educação do Nordeste Brasileiro. Para os que conhecem intrinsecamente a história de Cícero Romão Batista e são devotos do santo nordestino, uma sensação de surpresa e expectativa por um possível processo de reabilitação do Padre Cícero. Para os que o estudam, é uma introdução envolvente que fomenta uma leitura atenciosa e crítica da obra do Jornalista e Escritor, Lira Neto. O trecho onde o relatada a retirada do processo da expulsão do Padre das prateleiras empoeiradas, nos remete a viajar simbolicamente ao passado vivenciando cada momento da vida do homem que tornaria o sertão nordestino, em uma terra de fé e luta.

A pesquisa bibliográfica que resultou na obra já citada é apresentada ao leitor em duas etapas, a primeira denominada de Cruz, que começa quebrando a mística criada pela oralidade popular que o Padre Cícero fosse a reencarnação do próprio Jesus Cristo. Contando da história do nascimento do futuro padre até as provações religiosas, políticas, perseguição do clero e o até hoje polêmico, milagre da hóstia da Beata Maria de Araújo. Na segunda parte, denominada de Espada, relata os rumos tomados por Cícero com a chegada de outros influentes personagens que estão diretamente relacionados a muitos acontecimentos, como guerras, lideranças políticas, jogos de interesses, governo até a morte do reverendo em 1934. As 544 páginas do livro nos contam a fundo todos esses momentos da história do Nordeste e aqui iremos abordar alguns fatos importantes ocorrida na época.

Padre Cícero era um jovem que pensava sempre a frente do seu tempo, inteligente, com ideais revolucionários para época, e que sabia muito bem como alcança os seus objetivos. A sua formação cidadã, muito politizada, que chegava a enfrentar os respeitáveis e intocáveis da instituição católica, fora construída muito antes mesmo de ele ir ao seminário, o padre João Marrocos e o homem que iniciou ainda que em pequenas proporções as manifestações religiosas populares, Padre Ibiapina, mentor e influenciador das primeiras irmandades de penitentes da região, foram pessoas importantes para que Cícero se tornasse esse rapaz astucioso e cheio de sonhos e objetivos. Um dos pontos que me leva a esse pensamento é justamente quando acontece o falecimento do seu pai e ele relata um sonho ao coronel, que assobrado resolver financiar seus estudos.

Ali pude perceber que o jovem Cícero era um homem que tinha estratégias bem definidas para alcançar as suas metas. O engraçado que esses sonhos, sendo verdadeiros ou não sempre apareciam em favor de Cícero como ferramenta de barganha. Em uma época em que o imaginário popular repleto de simbolismos estava presente no dia a dia do povo sertanejo. Histórias de lendas do folclore nordestino corriam pelo sertão adentro com muita agilidade principalmente através da literatura de cordel. Isso contribuiu no desenvolvimento da liderança do Padre junto aos fiéis. Mas ao mesmo tempo foi doloroso para o ele ter que conviver com uma série de fatos e acontecimentos que iniciaram e tomaram outras proporções graças ao imaginário do povo nordestino. Na época o povo do sertão era assolado por muitas desgraças, como fome, seca, pestes, migrações, os sertanejos não tinham em que se apegar, o alto clero desprezava – os, os governos e seus representantes os tinham apenas com animais de um curral eleitoral e que não se preocupavam com o bem comum. Quando relatei a influencia de Ibiapina na formação de Cícero, foi justamente por que o recém seminarista retorna a cidade natal de Joazeiro (forma como se escrevia e chama o atual município de Juazeiro do Norte), para ajudar esse povo oprimido por adversidades sociais e naturais. Cícero percebeu o quanto poderia ser importante para ele e para essas pessoas de forma recíproca. A promoção da religiosidade popular feita por José Marrocos, filho de João Marrocos também contribuía para o crescimento da religiosidade popular. O acontecido do milagre da hóstia que virava sangue na boca da beata, por várias vezes, pode ter sido um advento planejado ou não na vida do Padre Cícero Romão Batista. Se na época a Igreja tivesse apoiado este acontecimento poderia ter feito da cidade de Juazeiro do Norte naquela época um dos maiores centro religiosos do mundo, mas eles foram à contra – mão desse pensamento e foi justamente onde iniciou – se a principal guerra batalha espiritual, política que faria o Padre Cícero sofrer e muito e o tornaria o cearense do século, mesmo após a sua morte. A forma como até hoje se espalham os boatos boca a boca e a força popular que o padre ganhou a partir desse milagre, fez com que a igreja se sentisse ameaçada. As acusações que o Padre Cícero enfrentou foi uma batalha dura para ele, pois a igreja não aceitava que no Nordeste Brasileiro, país e região subdesenvolvida fosse capaz de prover um milagre. O próprio bispo, segundo relata Lira Neto, dizia que Jesus Cristo não iria se ocupar em vir ao Brasil em um lugar seco e pobre realizar um milagre. Essa afirmação nos leva a refletir que a Santa Igreja Católica não estava preocupada se o milagre da hóstia era verdade ou não, a se era coisa de Deus ou não, mesmo tendo usado Deus como principal motivo nas pesadas acusações a Cícero e todos que colaboraram com ele, mas a principal preocupação da instituição era o medo ter que gastar os tesouros da igreja cuidando de pobres miseráveis nordestinos, povo pobre e sofrido (no pensamento eclesial).

A perseguição a beata, as provas do milagre, as insistentes tentativas de afastar o padre da beata e a caça a excomunhão de Cícero, que nunca foi um dos favoritos do bispo no Ceará, exigiu de Padre Cícero e amigos como José Marrocos serem ainda mais estrategistas, buscando inclusive tratar do assunto direto com o papa sem terceiros. Essas repercussões mundiais do milagre de Juazeiro e todos esses acontecimentos juntos no passar dos anos foram fortalecendo O Padre Cícero junto à população, e mais uma vez ele soube como ninguém aproveitar a oportunidade de se tornar o grande líder espiritual e político do povo que se instalava em Juazeiro, ao mesmo tempo em que lutava pela direito de continuar sendo padre. Na segunda parte do livro depois de muita lutar e sem sucesso o padre ameniza a sua luta religiosa em defesa do milagre, buscando sempre seu retorno a igreja e dar inicio a uma carreira política, nesse momento a figura de Floro Bartolomeu é importante se tornando uma espécie de “marqueteiro” político de Cícero.

Nessa nova fase além da batalha religiosa, e a espiritual que Cícero traçou consigo mesmo, a batalha contra o Estado ganhou proporções nacionais. Foi o momento que o ele mostrou-se um líder na guerra, quando derruba o governo e se estabelece a guerra da sedição de juazeiro tendo Floro Bartolomeu sempre como o seu fiel escudeiro. Esse período o padre milagroso aflorou as suas características ambíguas de poder política e religião, sendo capaz de usar da admiração religiosa que o cangaceiro Lampião tinha por ele, para atender interesses políticos da república, convocando – o para a luta contra a coluna prestes, chegando a enganar o cangaceiro concedendo lhe um título no mínimo irregular, para não dizer falso, de capitão. Depois de vitoriosas batalhas o Padre passa a ser visto de outra forma junto às lideranças políticas do Ceará e Brasil, principalmente exercendo a função de prefeito por um longo período, quando desmembrou Juazeiro do Norte da cidade de Crato. Com a idolatria religiosa de milhares de peregrinos o padre ganhava agora militantes religiosos e políticos que o defendiam até a morte. Com isso os interesses políticos começaram a se articular, o padre foi vice-presidente do ceará e bem mais em seguida viria a ser deputado federal, mesmo sem ir a sessão na capital Rio de Janeiro. Mas tudo isso foi possível graças a articulação astuciosa de Floro que aproveitando – se da situação tornou o padre em um líder político.

Floro Bartolomeu depois de ser o comandante de muitas batalhas, articulou – se e virou um parlamentar as custas das fama e discurso forte do Padre Cícero. Ao mesmo tempo em que exercia o seu papel de político e prefeito desenvolvendo o município de Juazeiro do Norte, o padre nunca desistia de suas investidas de ir ao vaticano, na busca pelo seu re-ligamento à igreja. Talvez tenha ele entrado na política para unir a força e influencia da Igreja e Estado na sua re-condução aos quadros eclesiásticos. Padre Cícero foi um homem que conseguiu unir em uma única pessoa o poder da Igreja junto aos fiéis e alguns padres defensores dele e junto ao Estado e eleitores como ninguém. Ele foi um estrategista, visionário, progressista e religioso, ao mesmo tempo em que pessoas se aproveitaram dos seus problemas, potencial e até mesmo os que o traíram para tirar vantagens.

O milagre da hóstia virar sangue para os que acreditam na fé, foi um advento religioso, acredito que igreja possui grande dívida com os milhares de sertanejos que buscaram na sua fé confortar e amenizar a dor que as suas almas sentiam com o sofrimento. Para os que acreditam no “acontecido” da hóstia ter virado sangue, poderíamos dizer que foi um grande plano para se buscar a queda de lideres burgueses religiosos da igreja e o reconhecimento dela aos que foram protagonistas desse advento, que acabou se transformando na metrópole de Juazeiro do Norte, que nos leva a refletir se esse não foi realmente o milagre de Maria de Araújo e Padre Cícero Romão Batista.

O livro é muito interessante para os futuros administradores públicos poderem fazer uma análise minuciosa com coisa que irão se deparar pela frente. Não apenas como profissionais estrategistas, que irão desenvolver políticas públicas em favor do bem comum. Mas sim para entender o dinamismo da gestão pública que sofre interferências exteriores ligadas diretamente com as ações internas, como as questões de interesses políticos, do poder econômico. É interessante que vejamos a política em um ângulo de 360 graus, para que o verdadeiro papel do administrador público não seja desviado. Questões de ética, planejamento, liderança, poder, relação de confiança nos remete ao pensamento de que é preciso construir esses princípios básicos através do dialogo. Padre Cícero foi um revolucionário, religioso, que defendeu os seus interesses assim como o do povo nordestino, que foi traído, perseguido, mas preocupou-se sempre em defender o seu Juazeiro do Norte, o seu povo e a sua gente. Administradores poderão sofrer coisas parecidas com as do padre, mas terão sempre que ter a mesma preocupação dele: defender o bem comum.

BARRETO, Marcos Salmo Lima. Resenha do Livro Padre Cícero: Poder Fé e Guerra no Sertão. São Paulo. Ed. Companhias das Letras. 2009, com 544 páginas.

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